“A liberalização do aborto não acabou com os dramas”

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Qual a área geográfica em que a ADAV está mais presente?
A ADAV tem âmbito distrital, mas neste momento estamos a actuar com mais intensidade nos concelhos de Aveiro e Ílhavo e um pouco em Sever do Vouga, Oliveira do Bairro e Anadia. Gostávamos de ter núcleos de freguesia ou de concelho que nos tornassem mais próximos, com mais conhecimento das situações. Mas não é fácil arranjar quem queira empenhar-se neste trabalho. Penso que a nova direcção vai focar-se um pouco neste assunto. Estamos também empenhados em criar dentro da ADAV um conselho económico que contacte empresas que se queiram comprometer connosco com algumas importâncias, de modo a podermos ter um ou uma profissional da área da assistência social que faça um acompanhamento das situações no terreno. Esse profissional responderia também a situações emergentes de defesa da vida, como quando uma grávida, aflita, nos chama. Não podemos estar à espera da disponibilidade dos voluntários. Queremos ter alguém que vá logo dar apoio a essa pessoa. Teria de ser uma pessoa que vestisse a camisola dos nossos valores. O nosso passo seguinte tem de ser esse, para estarmos mais próximos das escolas, dos centros de saúde, dos hospitais, onde se debatem muitos dramas. A liberalização do aborto não acabou com os dramas. É preciso ir ao encontro destas pessoas.

Durante o seu mandado decorreu o referendo. De certa forma, a liberalização do aborto representou uma derrota para a ADAV, que se empenhou fortemente pelo “não”.
Nós não perdemos. A nível nacional, sim, mas a nível local, não. Percorremos o distrito todo, empenhámo-nos na causa.

A derrota não provocou a desmobilização dos voluntários da ADAV?
Não. Antes pelo contrário. O facto de haver uma lei que legaliza determinadas situações, não vem resolver as situações de consciência das pessoas. Facilita algumas, mas não resolve o problema. As pessoas contactam-nos a pedir uma ajuda. Por vezes, nem é uma ajuda material, mas de apoio psicológico e médico, depois de uma tentativa de aborto que não resultou.
Quer dizer que continua o aborto clandestino…
Parece que sim. Nós não entramos na vida íntima das pessoas. Só aceitamos aquilo que nos dizem. Ouvimos as pessoas, procuramos ajudá-las no problema concreto, mas não fazemos juízos morais.

Tem notícia de pessoas que contactam a ADAV e que, mesmo assim, acabam por provocar um aborto?
Temos. São as nossas mazelas. Dois ou três casos nos últimos tempos. Essas é que são as nossas derrotas.

A escola é uma área onde ADAV já tem desenvolvido acções e gostaria de estar mais presente…
Sim, porque surgem situações que precisam do nosso apoio. Ainda esta semana tive o contacto de uma professora, porque uma aluna de 15 anos apareceu grávida. A professora quis saber que tipo de ajudas podíamos dar.
Já colaborámos no ano passado com uma escola no Projecto de Saúde. Assinámos um protocolo com a Escola João Afonso (Aveiro) e estivemos em seis aulas. Falou-se de educação sexual, planeamento familiar, educação dos afectos… Fomos muito bem acolhidos. Este ano esperamos desenvolver um projecto semelhante numa escola do norte do distrito.

Quem intervém no meio escolar? Os voluntários?
Não propriamente. São médicos, psicólogos ou pais, pessoas credenciadas que colaboram com a ADAV. Mas não nos levam nada. Contactámo-los, dizemos que temos um projecto e perguntamos se estão dispostos a colaborar connosco. Eles aderem e vão em nome da ADAV. Gostaríamos, naturalmente, de ter uma equipa mais à mão, visto alguns vêm de Cantanhede. Outros são de Aveiro.

ADAV preocupa-se mais com o princípio da humana. Como vê o respeito pela vida no tempo actual?
Gostaríamos também ter em atenção o fim da vida. Os nossos estatutos falam disso. Prevêem o apoio à fase terminal, sobretudo das pessoas com doenças incuráveis. Mas ainda não chegamos aí. Mas em relação à pergunta, o que vejo é que estamos numa sociedade do fácil, da fuga ao compromisso. A vida é mais exigente, por um lado. O nível de vida melhorou. Mas há, talvez um efeito de marketing, que faz com que as pessoas gastem por conta daquilo que há-de vir. A vida dos velhos passa a ser um peso, porque é preciso tratar deles. E as crianças são um estorvo para um doutoramento, para arranjar um emprego… Digamos que há uma causa económica e social para a vida ter menos valor. Há uma mentalidade do descartável. Talvez a presente crise ajude as pessoas a tornarem-se mais conscienciosas de como devem gerir a sua própria vida. E, ao terem consciência disso, talvez valorizem mais a vida.

Entrevista conduzida por
Jorge Pires Ferreira